domingo, 9 de maio de 2021

Após o Horizonte - Capítulo VIII - Invólucro


Após o Horizonte
Capítulo VI
II - Invólucro


- Tudo começou há muito mais tempo do que seria possível medir ou definir... se formos mensurar de forma humana, meu povo existe há muitas centenas de milhões de anos do seu tempo.

Essa primeira frase me assustou um pouco... se ela estiver falando a verdade, eu não tenho a menor noção de quem é a pessoa deitada na minha frente... se é que é uma pessoa.

- Mas como não temos contato com vocês? Onde vocês estão? - perguntei após uma longa respiração.

- Imagine que meu povo vive em outro plano, outra dimensão ou como preferir definir, mas a maior diferença entre nós duas é que neste plano, não existe a matéria como você a conhece... basicamente somos entidades sencientes, formadas de energia em sua forma mais pura, em um ambiente fluído que eu não teria como explicar em termos humanos.

- Meu... Deus... - balbuciei realmente assustada.

- E existíamos em paz, sem necessidades físicas como alimento, água e descanso... e também não conhecíamos emoções, sensações ou desejos. Mas nossa existência perfeita sofreu um abalo, quando há muito tempo, um evento de magnitude  cósmica reverberou daqui até nossa dimensão. Não sabemos ao certo se foi um conjunto de super novas ou uma colisão de buracos negros, só sabemos que este evento foi tão violento que quebrou a barreira do espaço-tempo deste universo e chegou ao nosso plano, interrompendo nossa tranquilidade ao indicar, sem sombra de dúvidas, que existia algo além de nós mesmos.

- Incrível - balbuciei.

- E uma parte do meu povo teve sua primeira emoção, a curiosidade... e foram estes que passaram a tentar fazer contato e entender o que era este outro plano no qual seu universo está incluído. E após muito tempo e muito esforço, os primeiros de nós conseguiram vencer a barreira dimensional e chegar aqui, no ambiente material. Na realidade, chegaram em um ponto remoto, longe de tudo, o que os fez retornar imediatamente.

- Então você pode ir embora a qualquer momento? - questionei um pouco angustiada.

- Sim... no tempo de uma piscada, eu posso não estar mais aqui - foi a resposta dela, com tanta calma e frieza, que senti um incômodo frio na barriga.

- Mas voltando... após essa primeira incursão frustrada, muito mais tempo se passou até aprendermos como escolher o local onde deveríamos aparecer... e também quais locais valiam a pena visitar. Como não sabíamos nada desse universo de matéria, começamos em planetas com formas de vida mais simples... só microorganismos unicelulares, só plantas, só animais irracionais... queríamos entender o conceito da vida material, antes de fazer contato com uma raça inteligente. Resumindo tudo, somente há cerca de sete mil anos do seu tempo é que decidimos que era hora de fazer contato com sua espécie, uma das raças inteligentes de seu universo.

- E existem outras? – perguntei assustada.

- Inúmeras, mas isso não importa agora. Por diversos motivos irrelevantes para você, escolhemos a sua.

- Mas como... vocês se parecem conosco? - perguntei, tentando não enlouquecer com tudo isso.

- Isso demandou um bom tempo também... como já estávamos estudado a vida material há muito tempo, aprendemos a concentrar parte de nossa energia em um invólucro físico, que poderia conservar a nossa consciência. Temos controle total de tom da cútis, tamanho, força, movimento e outros itens. Os únicos detalhes que não podemos controlar bem é a textura que fica em contato com sua atmosfera ou que a troca de energia gere calor.

- Por isso você é tão macia... e quente...

- Sim... e isso foi muito útil quando fizemos contato com seus antepassados e nos identificamos como "visitantes"... não demorou muito para sermos vistos como deuses, não importava o local ou povo, sempre éramos deuses, e recebíamos nomes e definições conforme nossas preferências sobre as sensações.

- Preferências?

- Sim... um dos nossos pode preferir sentir a emoção da batalha, outro a sensação de saciedade alimentar... eu por exemplo, adoro sentir a paixão, o prazer, o sexo e a geração da vida...

- Tarada...

- Como assim?

- Nada não... mas... isso tudo que você me contou, significa que você não é mulher, digo, você não tem um sexo definido.

- Tem razão, não temos sexo ou gênero e podemos assumir qualquer corpo a qualquer momento. Mesmo porque, biologicamente falando, a única diferença entre um corpo masculino e um feminino é um par de cromossomos, o restante vem de influências ambientais e do processamento químico de seus cérebros.

Eu preferi não entrar em detalhes ou perguntar outras coisas sobre isso, por medo de que poderia ouvir, mas faltava um detalhe que ela não explicou.

- Entendi, mas você... você sempre veio como mulher, digo, você só assume corpos femininos, por que essa preferência?

- Já disse, minha preferência é a geração de vida, o sexo e o prazer... e estes itens são mais facilmente associados as mulheres. Os do meu povo que preferem coisas mais agressivas, batalhas, heroísmo e coisas assim, assumiram corpos masculinos. Tentamos nos adaptar ao que a sua sociedade mais antiga entendia como "normal". Mas há exceções é claro, como alguns de nós que alternam de corpo ou até assumem dois gêneros no mesmo corpo.

- Tá... - foi o que consegui balbuciar, considerando a loucura disso tudo.

- O resto você já viu mas esqueceu... após algum tempo, sempre algum dos meus começava a incitar a violência, a morte e a guerra... aí voltávamos para nossa dimensão... e tentávamos em outro local somente para acontecer de novo, de novo e de novo. Por isso, há cerca de mil e quinhentos anos do seu tempo, decidimos que nunca mais apareceríamos em grupo. Se algum de nós quisesse vir, viria sozinho e evitaria ao máximo o contato com os humanos.

- Mas eu te vi...

- Sim, eu estava tão concentrada admirando o Reino Unido, que me distraí por um momento e você me viu... após um humano nos ver, não conseguimos mais nos esconder dele. Eu já estava naquele banco há vários dias e em uma janela de poucos segundos você me viu, para o bem ou para o mal.

- Por isso o sujeito achou que eu estava sozinha - pensei comigo mesma para completar admirada:

- Você estava mesmo olhando para o Reino Unido?

- Sim, eu consigo projetar minha consciência e enxergar qualquer coisa em qualquer local... claro que depende de concentração total, mas o horizonte não é um limite para nós. Eu estava admirada como o Reino Unido mudou desde a última vez em que estive lá há milhares de anos.

- Mas... por que você está aqui? O que veio fazer aqui?

- Creio que o mais próximo que vai definir minha motivação é que eu fiquei entediada... e queria conhecer este continente do seu mundo. Sempre estivemos do outro lado do oceano, mas eu queria saber como é aqui.

- E você não sabia que eu estava te vendo... por isso só reagiu quando eu te toquei.

- Sim... não podia entender como você podia estar me vendo, mas imediatamente comecei a sincronizar com suas emoções... por isso fui fria, insensível e grosseira, ao mesmo tempo em que fiquei interessada e curiosa.

- Puxa, obrigada... notei que entre suas infinitas qualidades, a sinceridade é a maior de todas - respondi com ironia.

- Não se ofenda Alice, por favor.

- Não estou ofendida, sei que é verdade.

- Então basicamente é isso... tem mais alguma pergunta, ou posso voltar a te tocar?

- Espera! Se você começar não vai parar... tenho sim mais algumas perguntas - respondi rapidamente, ao mesmo tempo em que tentava não pensar na excitante proposta desta... coisa.

- A vontade.

- Como você me curou?

- Sabemos como o processo de cura de vocês funciona, então canalizamos nossa energia para ele e o aceleramos... isso também possibilita recriar dentes ou até membros. Só não podemos devolver a vida que já cessou de existir.

- Incrível... mas você quase me matou também.

- Eu avisei que perderia o controle, você que insistiu em correr o risco.

- Sim... mas, neste corpo em que você está... você nunca sentiu realmente como é ser... humana? Digo... você não consegue sentir fome, frio ou... sede?

Neste momento Brigit se calou... já estou acostumada que as vezes ela reflete antes de responder alguma coisa, então só me restava esperar. E desta vez... demorou quase três minutos, para finalmente ela responder um tanto incomodada:

- Na verdade... após estudar vocês todo este tempo, conseguimos criar dois tipos de invólucro... este, imperfeito quanto a textura e calor, mas que pode ser invisível aos olhos humanos e que permite o retorno a minha dimensão a qualquer momento... e outro... que não ousei criar.

- Não ousou?

- Eu... não vi motivos para faze-lo... o outro... é... perfeito demais.

- Como assim? - questionei realmente curiosa.

- Alice, não há motivos para falarmos sobre isso... não vai acontecer - foi a resposta, mais incomodada ainda.

- O que não vai acontecer? - insisti, para só receber uma resposta após outro minuto.

- Muito bem, o outro invólucro possível é um corpo humano perfeito... com órgãos, necessidades alimentares e sem qualquer poder... quem o utiliza tem a experiência completa e se separa do meu povo... e o pior é que eu não poderia voltar para minha dimensão a não ser que minha consciência seja desvinculada.

- Como assim?

- Não importa Alice! – quase gritou - Não importa como eu poderia voltar para meu local de origem, pois nunca vou assumir um corpo humano... creio que já chega de perguntas, não é? - foi a resposta dela com muita raiva, um instante antes que sua mão direita agarrasse meu pescoço.

- Brigit... calma... - balbuciei assustada. Sua mão apenas segurava sem apertar, mas isso me fez lembrar que ela poderia me matar facilmente em um instante.

- Chega de perguntas! Eu quero lhe tocar, aproveitar sua companhia e você está me fazendo perder tempo - disse ela com raiva. Eu não sei como, mas havia tocado em algum ponto sensível.

- Por favor, calma... me solta... - implorei, olhando nos olhos dela. E por algum motivo, ela tirou a mão.

- Perdoe-me Alice... as vezes eu não me controlo... eu... não sei porque...

- Tudo bem... tudo bem... - respondi arfando. Ela não tinha me machucado, mas foi um belo susto - Eu só tenho mais uma pergunta, na verdade, a mais importante de todas... e depois... serei toda sua.

- Certo... pergunte.

- Você... você disse... que reflete meus sentimentos... sincroniza com minhas emoções... que é empata... mas... também disse que era normal eu estar atraída por você... que sabia que eu voltaria... eu... eu preciso saber se...

- Se?

- Se... isso que estou sentindo por você... essa paixão... é verdadeira ou... - hesitei em concluir a pergunta, talvez por medo da resposta.

- Ou?

- Ou você está me induzindo? Eu realmente me apaixonei por você... ou é algum truque mental ou físico? Eu te amo ou você está me fazendo acreditar nisso para seu próprio benefício?

Curiosamente ela não demorou para responder e ainda abriu um sorriso:

- É verdadeiro, você realmente me ama... e por isso é tão delicioso. Na realidade, estar perto de alguém do meu povo tende a liberar amarras e libertar sentimentos reprimidos dos humanos... você queria amar alguém mas não conseguia... mas comigo, você se soltou e seu amor aflorou... é só isso.

Eu não acreditei no que ouvi... eu realmente estava amando esta... coisa... e também devo estar enlouquecendo, pois minha reação foi tão rápida quanto irracional.

- Brigit... eu te amo... eu te amo tanto... - falei, abraçando rapidamente aquele corpo irresistível, quente e macio. E a única coisa que consegui fazer em seguida foi afundar a boca no pescoço dela enquanto fechava os olhos.

E foi nesta posição que amei e fui amada pelas próximas horas, de uma forma tão intensa e única como nunca imaginei ser possível.


2 comentários:

  1. Ao que parece, os deuses não eram astronautas, como escreveu Daniken, mas seres bem saidinhos.
    Muito interessante, curioso para o desfecho.

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    1. "Saidinhos" foi boa... hehehe... Conclui no capitulo X... Abs

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