Após o Horizonte
Capítulo IX - Humana
Hoje é um dia especial pois pela primeira vez não contei há quanto tempo eu estava de férias, já que elas foram... aumentadas.
Ontem, no dia seguinte a minha declaração de amor a Brigit, assim que acordei fiz diversas ligações... para a recepção do hotel, estendi minha hospedagem pagando um mês adiantado e não dando a data de término... para a empresa aérea, adiei meu voo e deixei a data em aberto... para meus pais, avisei que estava adorando as férias e tiraria mais um tempo (minha mãe adorou)... e para meu trabalho, disse que tinha quebrado as duas pernas em uma tirolesa e não tinha data para retornar (passei um recado, nem falei com o chefe).
Estou livre de tudo, exceto do amor que esta coisa linda e quente fez brotar no meu coração. E agora, logo após engolir um copo de café frio de ontem, voltei correndo para a cama.
- Ali, como você está feliz... o que houve?
- Eu estou livre de tudo Bri, e eu vou continuar com você... nada mais me importa - respondi me deitando. Tínhamos até apelidos carinhosos e isso me deixava muito feliz.
- Ali, você sabe que não ficarei aqui para sempre.
- Eu sei, mas enquanto ficar, quero passar cada segundo da minha vida contigo... e você sabe por que? Porque eu te amo! - foi minha resposta, enquanto a abraçava e beijava. Sentir seu corpo esquentar a cada toque, me deixava alucinada de tesão.
- Hmmm... você está tão animadinha.
- Sim! Por sua causa e só pra você.
- Ali, você é maravilhosa, sabia? Nunca imaginei sentir algo tão forte vindo de alguém e acho que estou ficando... como vocês dizem? Viciada em você.
- Eu já estou viciada... quero te beijar, alisar e cheirar você inteirinha, ser beijada e abraçada o dia todo... porque eu te amo!
Ela não respondeu, mas não parou de me beijar... parecia que quanto mais eu me excitava, mais ela ficava excitada... e isso virou um ciclo sem fim.
E continuamos assim por muitos dias... parecia que eu vivia apenas para fazer sexo com a Bri e a cada dia, eu sentia que ela gostava mais, se envolvia mais... eu não sabia como isso iria acabar, mas era simplesmente impossível parar... eu não queria que terminasse e aparentemente nem ela. E minha volta ao trabalho? Que se dane, com todas as letras!
Uma única coisa me importava, amar e ser amada por alguém sobrenatural, quente e impossível de se resistir.
Alguns dias depois...
Mais um dia começava e como sempre, acordei tateando a cama, onde algumas vezes encontrava a Bri aguardando meu despertar e outras vezes, nada. Eu não me importei de não encontrá-la, pois quando isso acontecia, eu ia ao banheiro, fazia xixi, ligava na recepção para pedir um café e voltava pra cama, onde permanecia de olhos fechados.
Como em poucos minutos, minha linda ruiva simplesmente apareceria do nada, após admirar o sol lá fora, estar sem enxergar me poupava do susto. E de alguma forma ela sabia quando eu despertava, pois nunca demorava mais que três ou quatro minutos.
Mas hoje, o café chegou e levantei para pegá-lo... mas algo me impediu de relaxar ou de tomá-lo e repentinamente os poucos minutos de atraso dela me incomodaram demais e então eu fiquei muito, muito preocupada.
- Bri, cadê você? - falei alto e sozinha, pois já havia acontecido deu chamá-la assim e ela simplemente aparecer, mas não houve resposta.
- Bri? Onde está meu amor?
De novo nada... e então minha preocupação começou a virar uma grande angústia. Ela foi embora? Simplesmente havia me deixado sem se despedir? Isso não fazia sentido. Tanto não acreditei nisso, que me troquei e sai do chalé rapidamente, na esperança de que admirar o dia a havia distraído.
Olhei esperançosa para todos os lados e não havia qualquer sinal dela, mas um estalo me deu a certeza de onde ela estava. A praia ficava a dois minutos do hotel, bastava atravessa-lo e descer uma escadaria.
Andei apressadamente com a certeza que minha linda ruiva estava se concentrando naquele negócio de olhar "Após o Horizonte", e certamente isso a impediu de notar que eu estava desperta. Esta certeza fez minha angústia diminuir, mas... a ansiedade de encontrá-la aumentava a cada passo e um senso de urgência estranho me impulsionava naquela direção.
Não gastei nem meio minuto para cruzar a distância até a escadaria, em seguida desci quase correndo e antes de notar, pisava na areia. Fui andando em linha reta em direção ao mar, olhando para os dois lados, e não vendo quase ninguém. Mas alguns segundos depois, fixei meus olhos em alguém sentada na areia há uma pequena distância, bem perto da água... e finalmente respirei aliviada... seu inconfundível vestido de alça verde e o cabelo vermelho não deixavam dúvidas.
Agora andando calmamente, fui até onde meu amor estava, mas percebi algo estranho ao me aproximar mais... o vermelho de seu cabelo não parecia mais aquele tom de fogo vivo, na realidade parecia um ruivo normal... ela teria cansado da cor anterior? E sua pele parecia um pouco mais morena. O que houve?
- Bri, estava preocupada - falei chegando pelas costas dela. E quando ela me ouviu e se virou, eu quase gritei de susto. O rosto dela era bem parecido com a da Brigit, mas seu cabelo e tom de pele eram totalmente diferentes... e seus olhos eram azuis, não mais cinzas. E ela estava... chorando?
- Desculpe moça, creio que te confundi com outra pessoa - falei por reflexo, em dúvida de quem era aquela moça sentada ali.
- A... li... - balbuciou ela, chorando pra valer agora.
Meu coração quase parou quando ouvi meu nome com aquela voz que eu adorava tanto. Dei dois passos pra frente e com os olhos arregalados, me ajoelhei na frente dela.
- Bri... é... você? O que houve?
- Ali... - balbuciou ela, me abraçando e chorando mais ainda. E foi assim que ficamos por um bom tempo, mas sem eu entender realmente o que estava realmente acontecendo.
Trinta minutos depois...
Demorou um bom tempo até que eu conseguisse levar Brigit de volta para o quarto, pois após levantar, ela cambaleou e quase caiu várias vezes... depois veio se apoiando em mim, mas não parou de chorar e nem disse qualquer palavra até entrarmos. E ao pisar dentro do quarto, ela se jogou na cama e se encolheu toda.
Creio que após o susto inicial, fiquei mais tranquila, afinal, o que era uma bizarrice a mais ou a menos depois de tantas? Mas de qualquer forma, estava curiosa para entender o que houve desta vez. E foi com esta resolução, que tirei o vestido e me deitei por trás dela, abraçando-a.
- Bri... o que houve? Por que você está chorando? Nunca te vi assim... fala pra mim, meu amor.
- A... Ali... eu... eu - ela até tentava falar, mas a dificuldade era notável.
- Fala meu amor... seja o que for, estou aqui com você.
E foi após esta frase, que ela se virou e me abraçou bem forte... depois me beijou e em seguida colou o rosto todo molhado no meu peito, o que me fez confirmar o quanto ela estava chorado. Mas parecia que finalmente minha voz a estava acalmando.
- Tudo bem meu amor... fala pra mim o que houve.
- Você... não... está... notando? - perguntou ela de forma hesitante e com a voz chorosa.
É óbvio que eu estava notando que ela estava totalmente diferente. Além das cores do cabelo, pele e olhos, sua pele deixou de ser macia e seu corpo não estava emitindo aquele calor delicioso que eu tanto adorava. Mas preferi não falar nada, pois não sabia o porque dela estar desta forma.
- Bom... seu corpo está... diferente... e você está chorando... sim, notei as duas coisas, mas ainda não entendi o que está acontecendo.
- Ali... eu... sou... humana - disse ela, voltando a chorar.
Esta frase realmente me assustou... curioso... parece que descobrir que a deusa inatingível havia virado uma simples humana como eu... foi a coisa mais assustadora e inesperada que ela podia ter feito.
- Ma-mas... o que houve? Você fez isso? Mas por quê?
- E-eu não fiz... mas... era a única forma... e agora... vo-você... vai me deixar, não é mesmo? E-eu não sirvo mais pra vo-você - respondeu ela, gaguejando e tremendo.
- Bri, por favor... eu juro que não entendi nada, então se acalme e me conte desde o começo, mas independente do que houve, eu te amo, lembra? Por favor calma... e me conte.
- Sim... eu contarei... e aceitarei sua decisão...
- Por favor...
- Esta madrugada... quando eu estava na praia, admirando o luar, um do meu povo me chamou... para conversarmos... e eu tive que tomar uma decisão... e eu... não sei se o que decidi foi o melhor - disse ela, um pouco mais calma.
- Tudo bem, começou bem... agora me conte o que vocês conversaram - falei, um pouco apreensiva. Realmente havia acontecido alguma coisa, e parecia ser bem sério.
- Eu contarei - respondeu ela me abraçando e bem mais calma agora. Já meus sentimentos estavam confusos... era extremamente estranho estar abraçada com ela, sem sentir sua maciez e calor tão característicos e únicos.
- Ontem... eu estava sentada na areia, admirando o luar, sentindo o cheiro do mar... pensando como havia sido o meu dia com você e como seria o próximo... mesmo quando você dorme, eu... eu sempre estou pensando em você.
- Que linda - foi minha resposta com um abraço.
- Então eu ouvi o chamado... existe um plano intermediário que o meu povo utiliza para quando alguém que está no universo material precisa debater com alguém que não está. Nem eu preciso desistir de meu corpo e nem ele precisa criar um, entendeu?
- Sim, uma chamada telefônica astral... interessante - falei brincando.
- Não tem nada a ver com um telefone! É um plano onde nossas consciências podem se comunicar - foi a resposta ríspida, indicando que era melhor não brincar mais.
- Tudo bem, eu entendi... mas o que ele queria?
- Ele me chamou para dizer que alguns do meu povo estavam preocupados comigo... na verdade, conosco.
- Mas por quê?
- Foi decidido há muito tempo que não viríamos mais pra cá em grupo... eu te contei isso, mas não te dei muitos detalhes.
- Quais detalhes? - questionei preocupada.
- Foram definidas inúmeras regras para quem vem para seu mundo, por exemplo, não podemos nos envolver em demasiado com ninguém, se por qualquer motivo nos revelarmos, antes de irmos embora devemos apagar a memória de quem sabe quem somos, não podemos ficar perto de pessoas violentas, não podemos ferir nenhum ser vivo... entre muitas outras e alguns do meu povo, acreditam que estou agindo errado com você.
- Por que nos envolvemos? Mas qual o problema?
- São muitos problemas, Ali... imagine que amanhã eu decida ir embora e não apague sua memória, mas você que vai ficar aqui, nunca encontrará uma sensação igual a que compartilhamos entre os humanos e isso pode lhe trazer sérios problemas psicológicos... acredite, já aconteceu diversas vezes.
- Entendi, mas você... pretende ir embora? - perguntei angustiada.
- Viu só? Entende a preocupação deles?
- Sim... continue por favor - pedi, mudando de assunto.
- E também... eu não devia ter lhe contado tanto a nosso respeito, não deveria deixar você alterar sua rotina e vida e não devia deixar você se apaixonar... foram tantos erros de minha parte, que meu povo decidiu intervir.
- Como assim?
- Eles exigiram meu retorno imediato, queriam que eu apagasse suas lembranças e voltasse temporariamente para minha dimensão. Mas eu não aceitei nem um e nem outro, não conseguiria apagar o amor que você sentiu por mim, pois ele me é tão... importante.
- Você também é tudo pra mim - respondi, abraçando ela mais forte - Mas qual seria o problema de você retornar para seu povo por um tempo? Depois não poderia vir pra cá de novo?
- Poderia... mas quando voltamos, somos purificados das emoções e sensações. Eu esqueceria tudo que já senti e sinto por você... e essas lembranças e sensações me são preciosas demais para eu abrir mão.
- Entendi... fico feliz em saber, mas o que aconteceu quando você não aceitou?
- Ele me deu uma escolha, ou eu apagaria sua memória e voltava... ou... eu ficava aqui com você, mas em um corpo humano.
- Bri... você... abriu mão de seu povo... por mim? - questionei sem acreditar.
- Eu... não tive muito tempo para refletir, tinha que responder imediatamente... e eu disse que não iria... aí... ele me mandou de volta e meu povo mudou meu corpo... eu... não sinto mais suas emoções... perdi o contato com eles... eu... estou... sozinha... - falava ela, chorando um pouco a cada frase.
- Bri... você não está só - respondi a abraçando e começando a chorar também.
- Mas... eu não terei mais calor para te fornecer, nem poderei amplificar suas sensações... não tenho local para ficar ou alimento... eu não existo neste mundo... e o pior de tudo, sou só mais uma humana... igual tantas que você já desprezou.
Esta frase doeu... doeu muito! Sabia que ela tinha razão, mas isso não tornou a acusação menos dolorosa. E agora, uma ex-deusa estava me abraçando, chorando por ter aberto mão de sua divindade por minha causa. E eu me culpava ao mesmo tempo em que não sabia o que fazer.
- Bri, não fala assim... você não é só mais uma... eu... te amo - disse, a abraçando mais forte, tentando segurar as lágrimas.
- Eu sei Ali, mas não posso e nem quero te incomodar com uma dependência total. Por isso um pouco antes de você me encontrar, eu estava caminhando até o mar. Na realidade eu só parei e me deixei cair na areia, porque senti, não sei como, que você se aproximava. Eu... não queria... nao sei porque... que você visse isso.
- Como assim? - questionei preocupada.
- Estando neste corpo, a única forma de voltar para meu povo, o único jeito de voltar a seu eu mesma, é desvincular minha consciência deste universo material.
- Vo-você... não está... me dizendo que... - falei, sentindo uma palpitação e uma forte falta de ar.
- Eu... estava pensando que assim seria mais fácil para nós duas, e também não te incomodaria mais... eu já tinha decidido... mas você chegou... e eu parei.
- Você... estava... você ia... ia..
- Sim... eu só poderei voltar ao meu povo, quando a vida cessar neste corpo.
Eu não havia comido nada ainda e tentava ignorar a dor no estômago, mas nesta hora fui pega de surpresa... e apenas imaginar por um segundo a possibilidade de que ao invés de encontrar Brigit na areia, eu poderia ter encontrado seu corpo afogado e sem vida... imaginar essa cena... fez minha cabeça tontear e meu corpo esfriar.
E antes que eu pudesse falar qualquer palavra, desmaiei e caí pesadamente na cama, deixando o amor da minha vida sozinha... e desta forma eu não poderia tentar impedir que ela voltasse à praia para... se matar.
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A seguir, a conclusão...
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