segunda-feira, 22 de março de 2021

Após o Horizonte : Capítulo II - Brigit

Anteriormente...

As férias em Porto de Galinhas se tornaram o sonho e obsessão de Alice, uma auditora que sempre trabalhou demais e nunca teve tempo ou paciência para relacionamentos longos.
Mas já no terceiro dia ela se sentiu entediada em seu Resort e decidiu visitar uma das praias próximas... e foi enquanto caminhava pela areia, que ela avistou uma garota sozinha, sentada em um banco e aparentemente bem concentrada em alguma coisa.
E sem qualquer razão específica, Alice resolveu chamar a atenção e ser notada por esta menina...

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Após o Horizonte
Capítulo II - Brigit

Percebo agora que estas férias estão sendo tudo, menos normais. Após tanta expectativa e felicidade pela possibilidade de não fazer nada, me entediei em três dias, depois contei minha vida para um desconhecido (nunca havia feito isso), a pouco estava preocupada com o fato de estar sozinha, e agora... quero chamar a atenção de uma estranha que me irritou pelo simples motivo de ter me ignorado. Enfim, pelo menos terei muita coisa para me lembrar em casa após voltar.

Voltei para o banco por trás da fulana, e ao invés de me sentar na ponta, pulei repentinamente bem no meio, ficando com apenas o espaço de uma pessoa entre nós duas. E por mais incrível que possa parecer, a rapariga não se mexeu nem um milímetro, era como se euzinha não estivesse lá. Nesta hora realmente achei este comportamento um tanto estranho, mas ao mesmo tempo, estava resoluta em ser notada (nem imagino o porque).

- Boa tarde moça, tudo bem aí? - perguntei, enquanto jogava a perna esquerda para o outro lado do banco e agora, estava sentada virada de frente pra ela.

Nesta hora, eu me preocupei um pouco, pois a fulana continuava imóvel... mas era impossível ela não ter ouvido isso, a não ser é claro, que fosse surda. E lá fui eu insistir de novo, ao mesmo tempo em que cutuquei levemente seu braço:

- Moça, está tudo bem?

Quando a toquei, tomei um susto e tirei a mão rapidamente, pois senti algo estranho em sua pele, que além de estar muito quente, era tão macia, lisa e delicada quanto um pedaço de seda.

Mas creio que foi este toque e não minhas palavras que finalmente chamaram sua atenção. Aquela mulher virou a cabeça em minha direção tão lentamente que parecia um filme em slow-motion, até me encarar com olhos acinzentados, de um tom que eu nunca havia visto. E só isso. Não falou nada e nem me respondeu, apenas continuou me olhando com uma ponta de curiosidade.

- Desculpe incomodar, mas você estava tão quieta, que achei que poderia estar se sentindo mal ou coisa parecida - me justifiquei, tentando ser simpática. Fiquei na dúvida se o que disse havia sido entendido, pois não houve uma resposta imediata. Talvez fosse Sueca ou algo assim e seu idioma não chegava nem perto do Português. Mas após quase um minuto, bem tenso para mim que estava sendo encarada, vi seu sorriso se abrindo, enquanto respondia com uma voz melodiosa e um sotaque que não reconheci:

- Estou bem sim, obrigada por se preocupar.

Bom, o primeiro contato havia tido sucesso e apesar dela ser esquisita, dei continuidade, entendendo a mão para cumprimenta-la:

- Prazer, Alice. Creio que você não é daqui.

Ela olhou para minha mão de uma forma estranha, pois obviamente não entendeu o que deveria fazer, em seguida levantou os olhos de volta e respondeu:

- Brigit... tem razão, sou de muito longe

- Que nome curioso - comentei

- É um nome de origem Celta, não muito usual nos dias de hoje.

- Por favor, não me entenda mal, não achei feio, só diferente - tentei me desculpar. E ela nem respondeu, só sorriu e virou-se novamente pra frente.

- Então... Brigit... estou te incomodando? Se estiver, eu vou embora - falei para evitar qualquer mal entendido.

- Em absoluto, criança... fique a vontade - disse sem nem me olhar.

Criança? Ela me chamou de criança? Esta garota que era obviamente mais nova do que eu, me chamou de... criança? Quem sabe ela traduziu alguma palavra do idioma dela como criança... bom, não importa, eu estava feliz por ter chamado sua atenção (sem saber o motivo dessa felicidade).

- Errrr... Brigit... afinal, o que você está olhando que é tão interessante? Digo, tem mar para todo lado, mas nenhuma ilha, nuvem ou navio... e você parece tão concentrada - insisti, tentando quebrar o gelo.

- Sim, estava muito concentrada, por isso não te notei até agora a pouco... e o que estou vendo, é o que está após o horizonte.

- Mas o que tem após o horizonte? - insisti sem entender realmente.

- Você nunca viu um mapa? Nesta direção para onde estou olhando, está a costa do Reino Unido, a Escócia e a Irlanda - foi a resposta em um tom de obviedade.

- Claro que já vi um mapa... então... você está olhando... para o Reino Unido? - questionei de forma hesitante.

- Exatamente - respondeu secamente.

Bom, após esta afirmação, só existiam duas possibilidades... ou esta maluca estava viajando no ácido e tendo delírios... ou quis dizer que estava imaginando a região do Reino Unido, onde ela devia conhecer bem... qualquer que fosse a alternativa, era uma mulher realmente esquisita.

- Bom, acho que já te atrapalhei demais, vou voltar para meu hotel... melhor te deixar aí vendo isso que você disse. Boa tarde Brigit - falei me levantando, e já começando a me afastar. E a mal educada sequer respondeu.

Enquanto voltava caminhando pela areia, analisava o quão surreal havia sido este pequeno encontro com aquela garota linda e esquisita... mas o pior era não entender porque fiz questão de chamar a atenção dela e lhe falar. Bom, agora deixou de importar, pois estava voltando para a entrada da praia, iria almoçar, descansar e as 18:00 hs retornaria para o hotel.

E foi o que fiz, caminhei até o belo e chamativo restaurante, com suas cadeiras em área coberta, uma decoração típica de região praiana e um cheiro maravilhoso. Considerando que não estávamos em alta temporada, a praia estava tranquila e sem muita gente, e mesmo no restaurante não haviam mais que umas quatro mesas ocupadas.

- Bem vinda moça, sente-se que lhe levarei o cardápio - falou o garçom de forma animada.

- Obrigada - respondi, seguindo seu conselho. No final acabei pedindo a sugestão do rapaz do hotel, uma lagosta assada na telha, que por sinal estava deliciosa.

Estava tudo tão calmo após o almoço que até consegui tirar um rápido cochilo, sentada na cadeira... e após acordar, paguei a conta e saí para a praia de novo. Com curiosidade, olhei o relógio e ainda eram 14:45... pensei no que poderia fazer por mais três horas até o taxista voltar... e a resposta veio até que bem rápida.

Iria voltar para falar com aquela garota... nem vou pensar mais sobre porque estava fazendo isso, mas refiz ansiosamente o mesmo trajeto de quando cheguei... e após uns vinte minutos, vi o mesmo banco de concreto, com a mesma pessoa sentada lá... na mesma posição em que estava quando fui embora há algumas horas.

Se fosse pensar racionalmente, não fazia qualquer sentido aquela moça estar parada naquela posição há tanto tempo... e fazia menos sentido ainda eu estar voltando para falar com alguém que tinha me ignorado quase completamente... será que era isso que fazia as meninas ficarem atrás de mim? Como não dava atenção e ignorava, elas tentavam mudar isso chamando minha atenção? Se for isso, involuntariamente caí na minha própria armadilha... queria que aquela garota me notasse, e já tinha pensado na desculpa perfeita para a minha volta.

E foi quando estava quase chegando, que tive uma grata surpresa quando ouvi:

- Olá Alice, bem vinda de volta.

- Como sabia que eu estava chegando? E após nem olhar na minha cara direito, por que está falando como se tivesse certeza da minha volta? - questionei inconformada ao mesmo tempo em que me sentava.

- Eu sabia que você voltaria, apenas isso - foi a resposta, sorrindo e se virando para me olhar.

- Como sabia? Você se acha tão irresistível assim? - perguntei com ironia.

- Você que está dizendo, não? - foi a frase que me deixou bem irritada.

- Olha Brigit, eu só voltei para perguntar sobre... aquela história de olhar para o que está após o horizonte... só isso... mas se você entendeu algo além, creio que é melhor eu ir embora -  respondi, me levantando.

- A vontade Alice, imagino que seu comportamento natural seja fugir das coisas. Se prefere continuar agindo assim, a escolha é sua - disse ela se virando pra frente novamente.

Mas que cacete, essa garota estava me deixando realmente fula da vida... como alguém que mal conhecia podia me irritar tanto? Agora estava indecisa entre ir embora, dar um tabefe na cara dela ou ignorar esta última frase... que foi a opção escolhida.

- Tudo bem, eu fico... mas se não for muito incômodo, poderia me explicar melhor o que está fazendo? Achei seu comportamento bastante curioso - falei enquanto me sentava e contava até dez em pensamento.

- Claro, estou olhando para o que está após o horizonte.

- Você já disse isso. Não poderia explicar melhor? - insisti. Creio que a chata se rendeu a meu argumento, pois finalmente virou o corpo todo na minha direção para responder:

- Certamente... as pessoas só enxergam o que está na frente delas, apenas o óbvio, o simples e o racional. A visão de todos é limitada ao horizonte visível, igual quando você olha para o mar agora e não vê nada, mas existem muitas coisas além, coisas que ninguém nota ou percebe... e infelizmente para a grande maioria das pessoas, o horizonte é praticamente o limite auto imposto de sua própria consciência e percepção.

- Ah, e você é uma pessoa iluminada que vê além do óbvio, simples e racional... é isso? - perguntei mais irritada ainda.

- Novamente, é você que está dizendo.

- Sim, foi o que eu disse... mas... sei lá, nem sei porque vim pra cá.

- Talvez você queira ou precise conversar com alguém... se for este o caso, eu posso lhe ouvir - disse ela enquanto abria um sorriso radiante.

Droga, droga, droga! Esta garota, com apenas uma frase e um sorriso, quebrou minhas defesas... eu realmente fiquei feliz dela dizer que me ouviria. Mas, o que eu poderia falar?

- Talvez... mas eu não imagino o que poderiamos conversar... eu... nem sei por onde começar - respondi com toda a sinceridade.

- Se me permitir, eu começo - disse com outro sorriso.

- Sim, a vontade - respondi totalmente sem ação, com uma sensação muito boa, igual quando eu era criança eu recebia um presente muito desejado. O que estava acontecendo comigo?

Eu realmente não sabia o que fazia lá, nem porque tinha voltado, nem o motivo de querer lhe chamar a atenção... mas agora, falar com esta estranha garota era meu maior desejo. E aparentemente ela também estava levemente interessada em me conhecer melhor.


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