quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Escrevendo Corporação Gaia VII - Um diálogo para refletir...

Prezados,

Corporação Gaia continua e após vários acréscimos, serão 42 capítulos (Mancha Neural teve 19)... Mas já que é o fim, ele merece acabar com estilo, não? Sem pontas soltas e com um ponto final para Mickey, Minnie e Natasha...




O diálogo abaixo forçou a existência de um flashback um tanto triste da Natasha, mas acredito que foi totalmente... humano

...

– Não... eu quero dizer... que – se enrolou Natasha, percebendo que o assunto não tinha sido bem escolhido – Não podemos condenar quem não tem intenção ou desejo de matar... se for assim, todo policial ou soldado é apenas um assassino.

– Seu pensamento é muito superficial, Natasha... deixa pra lá...

– Superficial? – perguntou ela, ofendida – O que você pode saber sobre isso?

– Os soldados nazistas usaram o argumento de que "estavam apenas seguindo ordens" e isso não os torna menos assassinos... você confiaria em ficar ao lado de um desses assassinos? – perguntou ele com convicção.

Natasha respirou fundo e se encostou em sua poltrona ao mesmo tempo em que suspirava... logo em seguida acenou para a aeromoça e pediu um café forte e sem açúcar, que chegou rapidamente e foi prontamente engolido. O silêncio dela após a frase de Mickey durou um bom tempo, até que ele perguntou:

– O que houve? Eu te ofendi de alguma forma? Se sim, eu nem notei, desculpe...

– Não... é só que... as vezes eu me esqueço do tamanho do abismo que nos separa, digo, que separa nossos valores... mas tudo bem, a culpa é minha por tocar em um assunto delicado...

– Eu não entendi, Natasha... sinceramente, não entendi o que você falou agora...

– Bom, vou te contar uma história... quem sabe, ao final dela, você entenda qual é o abismo e qual o tamanho dele – respondeu ela, se virando para ele.

– Sou todo ouvidos...

– Imagine que havia uma mulher, que queria muito, na realidade, que precisava entrar na KGB... e ela se alistou em um treinamento intensivo de um ano, sofrendo todas as humilhações e agruras possíveis que uma mulher pode sofrer em um exército majoritariamente formado por homens.

– Entendi...

– Apesar dos problemas e humilhações, ela continuou... dormiu em pântanos, comeu ratos, apanhou por qualquer descuido na vestimenta, foi jogada em lagos congelados de uniforme, só para ter que tirar a roupa na frente de todos para secar na fogueira, foi assediada, teve que conquistar sua posição batendo pouco e apanhando muito... mas essa mulher, continuou, pois só importava chegar no final.

– Até que após um ano, ela estava quase se formando nesta turma, a apenas um passo de entrar na KGB, bastando para isso, completar uma última missão, a que eles chamavam de "missão de batismo". E lá foi a mulher com seu superior direto, para receber sua última missão, como um bom soldado. Entendido até aqui? – perguntou ela, olhando direto nos olhos dele.

– Sim... até aqui, foi uma história interessante... mas o que significa?

– Você vai entender... quando chegou no local de sua ultima missão, o superior lhe informou que a mulher teria que invadir uma casa e matar uma família inteira, pois o marido era um "subversivo", e todo e qualquer inocente que estivesse lá dentro – disse Natasha, respirando fundo e suspirando de novo.

Mickey não respondeu, mas arregalou um pouco os olhos.

– Bom, a mulher não queria matar ninguém, muito menos uma família com crianças... mas vamos as alternativas... ela entra na casa, mata a família "seguindo ordens" como você disse, o que não a torna menos assassina... ou... desobedece a uma ordem direta, apenas para outro vir matar a família no seu lugar e ela... ela – Natasha engoliu seco e parou de falar por um instante.

– E ela, como punição, seria enviada para um campo de trabalhos forçados, um Gulag na Sibéria, por dez anos... onde... veja só, por não ter força para realizar o trabalho, que basicamente era minerar carvão com as mãos, teria que se prostituir em troca de comida...

Mickey não conseguiu falar nada.

– Então Mickey, como meu pensamento é superficial, me diga, qual é a melhor atitude para esta mulher? Matar ou se prostituir por comida durante dez anos, sendo que a família morreria de qualquer forma na semana seguinte. Então, qual a melhor decisão? – Insistiu ela, olhando para ele.

– Natasha... eu... eu não sei... o contexto é muito complexo...

– Bom, imagine... apenas imagine, que esta mulher decidiu cumprir sua missão... ela matou vários inocentes, crianças inclusive, apenas "cumprindo ordens", o que não a torna menos assassina... por favor, responda com sinceridade, você... você confiaria em dormir no mesmo quarto, ao lado de uma dessas assassinas? – perguntou ela com um olhar triste, repetindo a mesma questão dele.

Mickey demorou para conseguir responder, pois toda e qualquer frase que ele pensava, só iria piorar seu comentário anterior... mas ele não poderia fugir para sempre, então preferiu o caminho mais simples...

– Natasha, desculpe ter trazido lembranças dolorosas, não foi minha...

– Lembranças? – disse ela, surpresa – Não, claro que não... eu não disse que eu era esta mulher, só estou exemplificando... para provar meu ponto de vista...

– Ah, que alívio... mas eu não sei a reposta sobre o que fazer... qual o seu ponto de vista?

– Que você, senhor Mickey, vive em um conto de fadas, em uma cidadezinha de interior, onde tudo é lindo e perfeito... que o senhor não está pronto para o mundo real onde eu vivo, onde como no Yin Yang, nada é totalmente branco ou completamente preto, onde a maioria das coisas acontece em uma escala de cinza, onde as pessoas tomam decisões que afetam sua vida em definitivo a cada dia, onde a moral é relativa e qualquer generalização é estúpida.

...

5 comentários:

  1. caralho... Isso foi tenso, mas muito bom!

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  2. me deixou na ponta da cadeira, que dialogo foda, incrível...Só esse trecho já vende a obra

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    1. Valeu amigo Thiago... fico feliz que gostou e que está sempre por aqui... abs

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  3. Ficou muito foda este trecho. Aguardando o final desta incrível saga. Saudades da Natasha.

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    1. Valeu amigo Mike,
      Chegamos lá em breve, só não decidi ainda de que forma...
      Quanto a Natasha, ela é minha favorita... e vai dar pra matar a saudade, já que ela é a protagonista... Mickey é o coadjuvante de luxo... kkkkkk

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