sábado, 8 de agosto de 2020

Minha Gatinha Lucy - Parte III - Confiança

Vários e vários dias se passaram nesta nova rotina, e minha gatinha (continuava pensando nela assim... ao menos em meu íntimo) estava cumprindo nosso acordo. Todo dia de manhã quando acordava, ela já havia saído, mas toda vez que retornava do trabalho, ela estava na calçada com uma roupa diferente me esperando. E a prova de quê ela havia almoçado era a diminuição daquele apetite exagerado na hora do jantar. Após os primeiros dias, ela também aparentava estar menos cansada, já que não dormia mais assim que se deitava, garantindo uma conversa bem gostosa sobre meu dia e algumas amenidades no geral.

Acredito que nosso... será que relacionamento seria a palavra? Nosso... alguma coisa, avançava... mas avançava para onde? Qual era o objetivo ou a finalidade de tudo isso que eu fazia por ela? Por que a protegia, alimentava e sentia um enorme prazer em ficar perto dela? Não havia qualquer precedente em minha vida que justificasse este comportamento irracional, pois sempre fui uma mulher séria em matéria de amor, sem nunca fugir do local comum... mas  também não havia nenhum interesse real de minha parte em não deixar, o que quer que fosse isso, de acontecer... com certeza para quem via de fora, isso tudo parecia loucura, mas... eu simplesmente não conseguia evitar...

Após mais duas semanas, subi outro degrau na escala da loucura, quando após voltar em um dia chuvoso, a vi me esperando e se protegendo com uma folha de jornal sujo e velho... esta cena fez meu coração sangrar e naquela noite mesmo, entreguei uma cópia da chave do meu apartamento, para ela entrar e sair toda vez que quisesse... até então não havia sido necessário quando ela só saía de manhã, pois ao abrir minha porta por dentro e deixar a tranca abaixada, a porta se fechava quando era encostada, e a porta que dava para a rua, podia ser aberta por dentro também.

Já fazia quase um mês que minha gatinha morava (mais ou menos) comigo... e o fato de eu nem saber seu nome, estranhamente não me incomodava... com certeza uma ajuda psiquiátrica profissional teria feito muito bem para a minha cabeça nesta época... e o próximo grande avanço nesta relação diferente... ocorreu após minha amiga do consultório me perguntar inocentemente: 'E a gata?', 'Hmm? Ah, vai bem... volta todo dia para jantar, dorme e sai de manhã', respondi com um sorriso.

'E ela já confia em você?', perguntou, 'Como assim?' questionei sem entender, 'Quando o gato confia no dono, ele se joga a seus pés, esfrega a cabeça nas suas pernas, pede carinho e dorme no seu colo... ela já faz isso?' explicou, 'Eu... não, não mesmo' respondi, enquanto corava, 'Deixa eu adivinhar, ela sempre fica em um sofá e você fica no outro' disse ela sorrindo, 'Sim, e daí?' perguntei, sem entender.

'Seus territórios estão muito bem definidos, então ela não vai invadir o seu, pois não sabe se pode... se você quer que ela confie em você, dê o primeiro passo, entrando bem devagar no território dela, sem forçar... algo como, sente na outra ponta do sofá onde ela fica... aí você vai ver a reação dela' explicou minha amiga, com toda a boa vontade, o que na realidade, fez eu refletir muito sobre esta conversa de confiança.

E naquele mesmo dia, eu acabei descobrindo o quanto minha (será mesmo?) gatinha confiava em mim, pois após o jantar, recolhi as coisas e aguardei ela se deitar em seu cantinho de sempre... em seguida, ao invés de me sentar no outro sofá, sentei-me na outra ponta do sofá dela, simplesmente para ver sua reação, que foi bem engraçada a princípio.

Quando ela me notou em seu sofá, virou a cabeça na minha direção com um olhar assustado e desconfiado que durou poucos segundos, pois retribui com um sorriso. Em seguida ela se sentou e ficou me olhando, talvez pensando no que fazer ou se deveria fazer alguma coisa. Mas ela só reagiu quando falei com todo o carinho possível: 'Estou muito feliz que você está aqui comigo, gatinha'. Neste momento, parece que desarmei sua última defesa, pois ela rapidamente atravessou a distância que nos separava engatinhando e parou com o rosto bem na frente do meu... e sorriu.

'O que foi?' perguntei, imaginando que ao menos, ela não tinha se incomodado com minha proximidade, 'Doutora... você... quer...' disse hesitando, ao mesmo tempo em que seu rosto corou, 'O que?' perguntei um pouco receosa, mas ela não respondeu, e fez algo realmente inesperado, deitando a cabeça no meu colo e me abraçando com força.

'Doutora... faz carinho na sua gatinha?' disse, ao mesmo tempo em que alisava a cabeça nas minhas coxas... sinceramente não sei se o que fez meu coração acelerar foi sentir a cabeça dela se alisando em mim ou foi o fato da frase conter o pronome possessivo "Sua", que casava completamente com meus devaneios ao citá-la como "Minha".

Acredito que esta era a confiança da qual minha amiga havia falado, pois quando comecei a alisar de forma graciosa a sua cabeça, ela sorriu com um prazer tão visível, que eu não consegui mais parar. E a medida que alisava seus cabelos loiros e macios, o rosto dela vinha subindo pelo meu corpo, já que depois das coxas, ela se alisou na minha barriga e peito, até chegar no meu pescoço, onde me tocou delicadamente com o nariz e a boca... neste ponto, eu nem sabia mais o que estava sentindo, mas me tranquilizei quando ela desceu um pouco e estacionou aquele belo rosto bem entre meus seios. E foi nesta posição que após mais alguns minutos de carinho, eu ouvi ela ressonar com toda a tranquilidade.

Então tive outra prova do quanto minha mente estava embotada nestes dias, já que minha felicidade de sentir esta confiança e carinho foi tanta, que demorei uns dez minutos para notar que havia ficado presa embaixo dela. E fiquei em conflito por outra meia hora, até decidir que não teria coragem de acorda-la, e que minha noite de sono, seria sentada com minha gatinha me abraçando. E a parte que me deixou mais abismada foi que mesmo nesta posição, ao contrário do que imaginei, ela acordou cedo e saiu sem se fazer notar, então quando acordei, estava sozinha de novo... ela era realmente sorrateira.

De qualquer forma, nossa rotina havia acabado de ganhar um novo item, pois ela deixou muito claro no dia seguinte, que não iria dormir antes da "Hora do carinho", o que me obrigava a se sentar ao seu lado e alisa-la enquanto se esfregava pelo meu corpo. Algumas vezes eu notava quando ela estava quase dormindo e conseguia empurrar a cabeça dela para o travesseiro, já em outras, não podia fugir de dormir sentada com ela no meu colo.

Mas ao pensar agora, posso afirmar que estava feliz por acreditar que nosso... relacionamento, talvez? Havia atingido seu ápice com aquele carinho gostoso e sem pretensões... mas como eu podia ser tão ingênua? Isso tudo era apenas o começo...



4 comentários:

  1. "com certeza uma ajuda psiquiátrica profissional teria feito muito bem para a minha cabeça nesta época..."
    Minha teoria esta com fundamento, talvez ela esteja imaginando a gata como gente, talvez seja uma mulher mesmo tão solitária quanto ela achando algo com que se apegar, talvez seja algo sobrenatural.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Boa noite amigo,
      Ah, chegou mais perto... kkk...
      As vezes fazemos coisas tão "doidas" que depois que passa, nos perguntamos porque o fizemos...
      Abrigar uma desconhecida sem nem saber o nome dela seria um ótimo exemplo de inconsequência... ou um pouco de loucura? Vai saber...

      Excluir