terça-feira, 11 de agosto de 2020

Minha Gatinha Lucy - Parte VI - Passeio


Talvez ao invés de "passeio", a narração a seguir poderia ter o título de "ponto de ruptura". Não é querendo ser dramática, mas quem poderia imaginar a merda gigantesca que aconteceria algumas horas depois de uma lacônica pergunta como "Vamos passear"? 

Enfim, talvez seja melhor começar no meio da semana, quando comentei com a Pri: 'Estou cansada de ficar em casa, vou levar a Lucy para passear no Shopping', 'Vai com cuidado, amiga' foi a resposta, 'Mas por quê?' perguntei sem entender, 'Você já viu alguém passeando com gatos na rua? São ariscos e assustados... obviamente também não podem usar coleira' foi a resposta com deboche. Na hora simplesmente mostrei a língua para ela e desconsiderei... mas talvez tivesse sido melhor, refletir um pouco mais a respeito disso.

De qualquer forma, não pensei mais no comentário da Pri, e quando acordamos perto das 14:00 hs no sábado, aconteceu a fatídica frase:  'Vamos passear?', 'Passear?' foi a resposta enquanto cheirava meu pescoço, 'Sim, estamos há meses trancadas aqui, nós vamos e voltamos rapidinho... e depois temos a noite toda para a gatinha brincar com a dona... que tal?' disse da forma mais convincente possível. 'A gatinha adora obedecer sua dona, vamos sim!' foi a resposta bem animada. 'Então está combi...' tentei falar, mas fui interrompida por um beijo mais animado ainda.

E após tanto tempo, pude ver a Lucy se arrumando para sair... ela acabou trazendo (não sei de onde) algumas roupas e deixado lá, então para ela foi fácil vestir uma saia até o joelho, uma blusinha branca, brincos, corrente e uma maquiagem leve. Já eu estava de calça jeans e blusa preta. Eu nunca gostei da idéia de dirigir, então usualmente meu meio de transporte era o metrô, mas para uma ocasião especial como sair com a gatinha, o telefone de um ponto de táxi próximo era meu trunfo na manga.

O trânsito até o Shopping Villa Lobos foi bem tranquilo e aquele dia se encaminhava para terminar em apenas um passeio simples e normal, com Lucy olhando as vitrines ao mesmo tempo em que segurava minha mão... mas minha querida gatinha mudou de atitude completamente quando passamos em frente a uma loja de instrumentos musicais. Ela soltou minha mão e parou como que hipnotizada, admirando e quase babando pelas guitarras, baterias e outras coisas expostas na vitrine. Ao notar o grande interesse dela, não resisti a dizer 'Vamos entrar', coisa que ela fez imediatamente.

Eu não entendia muito deste assunto, mas estava sentindo um enorme prazer em acompanhar Lucy em algo que ela claramente gostava muito. Ela olhava com atenção cada item e foi aí que a sempre sacana (ou certeira) mão do destino agiu. A medida que andava totalmente encantada pela loja, Lucy sem querer deu de cara com um vendedor que tentava demonstrar algo em uma guitarra para um possível cliente, mas que visivelmente não estava fazendo isso muito bem. Com toda a boa vontade do mundo, ela perguntou se podia ajudar em alguma coisa, oferta prontamente aceita pelo rapaz que não sabia nem segurar direito aquela linda peça verde-escura com detalhes em marrom.

Lucy pegou a guitarra e a posicionou perfeitamente bem... em seguida, testou as cordas, ajustou, testou e ajustou umas cinco vezes... até que com um movimento rápido, causou um acorde lindo e melodioso que encheu a loja. Ao olhar bem para as mãos dela segurando aquela belezinha, finalmente entendi o que eram aqueles calos estranhos que ela tinha... Lucy era uma guitarrista de muitos anos e sua mão era calejada de tanto segurar aquela linda peça. Só por descobrir isso, aquele passeio já tinha valido a pena.

Após ver que minha gatinha sabia o que estava fazendo, o cliente começou a perguntar diversas coisas, e Lucy respondia com gosto. Até que ouvi ele pedir por uma demonstração, coisa que ela hesitou em concordar, mas que depois do vendedor acenar com um positivo, foi aceito com um grande sorriso. Mesmo não entrando na conversa em nenhum momento acabei me aproximando, pois estava fascinada em vê-la tão feliz em fazer algo que não fosse... sexo (sério).

Não entendo o suficiente de instrumentos musicais para descrever todos os detalhes técnicos do que ela pediu ao vendedor, mas basicamente a guitarra foi ligada a uma mesa de som, onde ele definiu o playback da música que ela pediu e um microfone de lapela foi colocado em sua blusa. Lucy ficou um tempinho de olhos fechados, testando as cordas da guitarra e fazendo ajustes que para meu ouvido leigo, não causavam a menor diferença... mas considerando que após cada série deles, ela sorria, então algo devia estar acontecendo. E foi na posição de uma simples espectadora, que minha gatinha me surpreendeu (levei um susto) quando ela abriu os olhos e falou bem alto enquanto olhava para mim 'Esta música é para você, Doutora... Breathless da banda The Corrs'

Não consigo explicar o que senti na hora, eu nem sabia que ela tocava e agora... agora Lucy estava cantando pra mim... não conhecia essa banda, mas entendia as frases... e em sua maioria, parecia que era o coração dela falando pra mim... foi... surreal... talvez a sensação mais próxima que já senti foi quando estava com uma crise renal e me aplicaram morfina... leve... saindo do corpo... fora da realidade... não dá pra explicar... o tempo passou a ir mais devagar e meus sentidos recebiam um caleidoscópio de sensações...

"Venha e me deixe sem folego... Seduza-me, provoque-me... Até que eu não possa mais negar esse adorável sentimento...Me faça ansiar pelos seus beijos"... eu não podia acreditar que estava ouvindo isso... direto da boca dela, que tocava tão naturalmente como se a guitarra fosse uma extensão do seu corpo, como se as cordas e seus dedos fossem uma coisa só, com movimentos leves e ritmados... linda... perfeita... eu ainda tremo só de lembrar daquela cena que para mim passava em câmera lenta...

"E se não houver amanhã... E tudo o que temos for aqui e agora... Eu estou feliz em ter você... De algum jeito, você é todo o amor que eu preciso... É como um sonho... Embora eu não esteja dormindo... E que nunca vou querer acordar"... essa foi a última parte da qual me lembro de ouvir... eu não decorei a música na hora, mas a pesquisei na semana seguinte... e ouvi... ouvi... ouvi... não vou esquecê-la nunca mais...

Lucy cantou e tocou... e quase no final, brilhava com a força de um sol... e eu... estava parada e chorando como uma adolescente deslumbrada por seu ídolo... e quando o último acorde saiu da guitarra e ela olhou pra mim tudo fez sentido, foi como se uma cortina fosse retirada da frente dos meus olhos... eu a amava, precisava dela... mas naquele momento, voltei a si de forma rápida e violenta, quando uma plateia improvisada explodiu bem atrás de mim, com gritos, assobios e palmas... acho que metade do Shopping havia parado fora da loja para ouvir aquela música...

Sim, eu estava (quase) normal pois aquele estouro me trouxe de volta a realidade, e quando olhei para Lucy, eu vi alguém segura de si, alguém que tinha nascido para aquele papel... naquele momento, ela não era a minha gatinha, era uma estrela que pertencia ao mundo todo, era alguém imponente, inatingível... eu não era nada perto dela... e ela disse, a música disse... que eu era todo o amor que ela precisava...

Creio que esta parte do relato foi um pouco confuso... mas tanto no dia quanto agora, as lembranças se confundem... não creio que conseguiria externar em palavras o que estava sentindo... eu... eu... nem vou tentar... pois o fim daquele belo momento realmente foi inesperado, assustador e logo em seguida...

O vendedor agradeceu, Lucy sorriu, o cliente agradeceu, as pessoas acenaram e começaram a debandar, e ela veio até mim. 'Gostou, Doutora?' disse me olhando com carinho, 'Amei...' balbuciei, sem fôlego. 'É tudo verdade, viu?' ela falou, sorrindo e saindo rápido da loja, brincando para me fazer correr atrás dela, o que fiz alguns segundos depois. E quando coloquei o pé para fora, eu vi algo inacreditável... uma mulher um pouco mais velha do que eu, estava com a mão direita enforcando Lucy, que tentava se soltar.

Eu não pensei, a reação foi instantânea... saí correndo e dei um encontrão na mulher, 'SOLTA ELA! VOCÊ ESTÁ LOUCA?' gritei a plenos pulmões. A mulher a soltou imediatamente, e com um olhar de ódio me encarou: 'Então é você a vítima da vez?', 'Sai de perto dela!' ordenei espumando de raiva, abraçando Lucy que não falava nada. 'Já saí... eu não acreditei quando ouvi a voz dessa vadiazinha cantando, tinha que vir cumprimentá-la' disse sorrindo, 'Sai daqui! Ou eu chamo a segurança e a polícia! Sua louca!' completei sem raciocinar.

'Louca... sim... talvez esta vagabunda tenha me enlouquecido e espero que não seja o seu destino também... mas sabe, me dá pena ver alguém caindo no mesmo buraco que eu... boa sorte' concluiu ela, se afastando. 'Calma, Lucy! Calma! Eu não vou deixar ninguém te machucar' dizia enquanto a abraçava e sentia ela tremendo. 'Doutora... me leva pra casa...' pediu ela, bem baixinho e com um choro abafado. E foi assim que o dia mais mágico da minha vida acabou... com uma louca atacando a minha linda guitarrista.

Não perguntei nada e ela não falou nada, só a levei pra casa... depois que chegamos ela se trancou no banheiro e demorou umas duas horas para sair... e quando saiu, estava com os olhos inchados e sem falar nada... comeu alguma coisa, se trocou e foi se deitar... e não falou nada... eu não sabia como tocar no assunto, mas considerando o quanto a tinha afetado, preferi deixar para o dia seguinte...

E no fim, também deixei para o dia seguinte lhe falar o quanto a amava, o quanto tinha gostado da música... e este foi o erro pelo qual iria me culpar e me arrepender por muito tempo, pois talvez se tivesse falado, o desfecho da manhã seguinte poderia ter sido totalmente diferente.

Demorei para dormir, mas estranhamente acordei mais cedo do que o normal... e ao me virar, o espaço vazio na minha cama fez meu coração parar por um momento. 'Lucy? LUCY!' gritei por ela enquanto me levantava, imaginando que ela poderia estar no banheiro... mas é esquisito, no meu íntimo  mais profundo eu sabia que ela não estava... eu sentia que ela não estava em nenhum lugar do apartamento...

Minha gatinha Lucy havia fugido de casa.

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Conclui a seguir...

E se está curioso(a) sobre a música que Lucy cantou, ela está logo aí embaixo, traduzida...


2 comentários:

  1. Que capitulo, parece que o grande final sera elas se reencontrando, a gatinha é uma humana um tanto peculiar de todo modo se ouver drama estou pronto pras lagrinas

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    1. É, está acabando...
      Acaba hoje... com a história da Lucy... é como ficam as duas...
      Abs

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