segunda-feira, 29 de março de 2021

Após o Horizonte Capítulo III - Solidão



Após o Horizonte
Capítulo III - Solidão

E lá estava eu, sentada ao lado de uma estranha, feliz por ter conseguido lhe chamar a atenção... na realidade, em meu íntimo, me perguntava o motivo de tudo isso, mas não encontrava uma resposta satisfatória.

- Então... imagino que você queira conversar... que tal começar me contando o motivo de você estar aqui hoje? - perguntou ela, me encarando com aqueles olhos acinzentados tão exóticos.

- Você diz aqui na praia? Eu estou de férias, vim de longe e estou descansando em um hotel perto daqui. Então me senti entediada e vim passear um pouco, e ao sair andando pela areia, acabei chegando neste banco onde você estava.

- Que interessante... realmente você me viu por uma simples janela de alguns segundos... como sempre, dezenas de eventos aleatórios culminam em um único instante crucial - comentou ela, mais parecendo que falava consigo mesma.

- Como assim? - perguntei sem realmente entender.

- Não, não é nada  importante... de qualquer forma, fiquei curiosa, pois acreditei que você iria embora agora a pouco... mas ainda está aqui.

- Eu... quase fui... mas quando você disse que meu comportamento normal era fugir, decidi ficar... por que disse isso?

- Ah, digamos que tenho uma incrível facilidade em ler as pessoas... leio suas reações corporais, tom da voz, olhar e outras coisas. E senti que você ficou mais confortável ao fugir do confronto, quero dizer, ir embora ao invés de conversar comigo. Talvez por medo de ouvir algo que não quisesse ouvir.

Essa garota... o jeito que ela fala não parece de alguém tão novinha... e estes comentários incisivos haviam me incomodado muito mais do que eu admitiria, até pra mim mesma.

- É... talvez... pode ser... eu... não costumo ficar muito tempo perto das pessoas... quem quer que seja, eu... me canso rápido.

- Cansa mesmo? Ou talvez seja por algum motivo mais obscuro?

- Eu... não sei - balbuciei um pouco sem graça.

- Me perdoe, eu deveria estar apenas lhe ouvindo, por isso não devo emitir opiniões. Por favor, fale um pouco mais - disse ela, novamente com esta droga de sorriso lindo.

- Não, tudo bem... pode opinar se quiser... afinal, uma conversa exige que os dois lados falem, não? - perguntei, disfarçando o nervosismo.

- Certamente, criança. Mas eu prefiro ouvir, e como foi você que me chamou mais cedo, e agora voltou até aqui, imagino que deve ter várias coisas a dizer. Fique a vontade e fale.

E de novo ela me chamou de... criança! Prefiro pensar que a palavra seria algo como "jovem", mas não achei prudente corrigi-la. Vai que ela se ofende e para de falar comigo.

- Bom, eu costumo ser bem independe e faço tudo sozinha, tanto que vim nesta viagem para descansar. Achar você foi um bônus... e fico feliz de conversarmos um pouco.

- Talvez toda essa independência e frieza só sirva como uma carapaça para esconder uma grande solidão que está dentro de você.

Esta frase foi como um murro no meu estômago, tanto que de repente senti uma angústia tão grande, que não consegui nem pensar em uma resposta. Ao menos, serviu para uma mudança radical de assunto.

- Brigit, espero que você não ache que eu desdenhei do seu nome mais cedo. Confesso que o achei diferente, mas é bem bonito.

- Claro que não. Agradeço. - respondeu ela secamente, se virando para frente de novo. Aparentemente, eu fugir do assunto da solidão, a fez perder o interesse em falar comigo. Mas que droga essa garota... ao mesmo tempo em que queria falar com ela, eu estava cada vez mais irritada.

- Pode perguntar o que quiser - falei, quase implorando por sua atenção.

- Não acredito nesta afirmação, pois você se esquiva de qualquer questão... então não tem porque perdermos mais tempo, concorda? - foi a resposta seca.

- Sim, me desculpe... eu... não costumo me abrir para ninguém... ainda mais com uma... uma...

- Uma desconhecida, que é bem estranha, não é? - disse ela se virando de novo pra mim, completando a frase com as exatas palavras que pararam na minha garganta segundos atrás.

- N-não, e-eu não quis... me desculpe - falei, gaguejando.

- Não se desculpe criança... não estou brava ou coisa parecida, mas se me conhecesse melhor, saberia que eu não minto. Só comentei de sua solidão, porque foi o que senti, mas não precisa falar sobre isso.

- Tá, tudo bem - foi a única coisa que consegui falar. E de novo o "criança" - Mas tem razão, as vezes me sinto sozinha.

- Sim, mas o mais irônico e curioso, é que você fica sozinha porque quer, não é verdade?

- S-sim... eu sempre dispenso as pessoas... na realidade... e-eu me afasto de quem gosta de mim - concordei gaguejando. E ao terminar a frase, não conseguia acreditar no que tinha acabado de falar.

- Sim, sua vida é um paradoxo deveras interessante...  pena que não teremos tempo para aprofundar nossa conversa, pois não ficarei aqui por muito mais tempo - disse ela se virando de novo.

- Como assim, você vai embora agora? - foi minha pergunta seguinte, que foi totalmente ignorada.

Essa moça, ela falava umas coisas muito estranhas... e ao mesmo tempo, conseguiu me arrancar uma confissão íntima que nunca imaginei que falaria. E agora me ignora... mas apesar de tudo, eu queria continuar falando com ela, então pensei que se retomasse o assunto original, eu conseguiria sua atenção de volta.

- Errrrr... Brigit... sobre isso de ver após o horizonte...

- Sim?

- O que significa?

- Que estou olhando para o que está após o horizonte visível... eu já lhe disse isso várias vezes, qual a dificuldade de entender?

Após bufar demoradamente, notei que essa conversa não estava chegando a lugar algum, mas tentei de novo:

- Que tal me dar um exemplo prático?

- Claro, siga-me - foi a resposta, quando ela se levantou e saiu andando na direção oposta de onde vim.

- Mas para onde? - questionei enquanto a seguia.

- Vê aquela elevação lá na frente? Vamos escalar e lá em cima, te mostrarei - respondeu, apontando um local bem mais adiante, onde algumas pedras formavam uma espécie de muro.

- Olha, eu tenho hora para ir embora, não vai demorar muito para chegar lá?

- Então, não venha - foi a resposta enquanto se afastava.

Sim, eu tenho algum problema... porque a segui sem pensar em mais nada... e demorou quase uma hora (sem ela ter dito nenhuma palavra) para chegar na ponta da praia, onde a areia acabava e havia alguns rochedos aparentemente bem íngremes.

- Basta me seguir - falou, começando a escalar.

Eu tentei (com muita dificuldade) imitar seus movimentos, mas essa garota parecia uma lagartixa... se esgueirando e deslizando pelas pedras. Em alguns minutos a coisa já tinha chegado no topo, enquanto a otária teimosa aqui, nem estava na metade. Mas continuei mesmo assim, e com muito esforço e bem cansada, finalmente estava quase lá. Então ouvi:

- Só falta uma, criança...

Nem consegui pensar sobre sua frase, pois ao me apoiar para subir na última pedra, escorreguei... e daí em diante foi tudo muito rápido.

Meu rosto foi jogado pra frente e dei uma pancada fortíssima com a boca, que considerando a dor insuportável e a quantidade de sangue que encheu minha boca, só podia ter quebrado vários dentes... nem tive tempo ou forças para gritar, pois me desequilibrei e rolei pelas pedras, arrebentando os braços, ombros e joelhos... era terrível não ter apoio e nem conseguir parar... e no fim, despenquei em outra pedra mais abaixo e finalmente na água.

Ainda estava consciente quando afundei, mas a dor lancinante que vinha de todos os lados me impedia de tentar flutuar ou mesmo de respirar... e a consciência começou a se esvair logo em seguida... estava tudo ficando escuro e distante... e nos últimos instantes, ainda pensei o quão triste era morrer desse jeito... longe de casa, longe do papai, da mamãe e do mano... triste e sozinha...

Então fui envolvida pela escuridão... pela silenciosa e mortal escuridão.

Um comentário: